Igrejinha

Escondida pelos prédios suntuosos, essa Igreja é facilmente ignorável. Simples, até mesmo um tanto descuidada, não é frequentada devido a construção da Igreja maior no bairro 7.

Adentrei calmamente na pequena igreja, caminhando sobre o longo tapete vermelho até aproximar-me do pedestal d'onde o padre conduz as missas. Parei por alguns instantes, olhando ao redor e chamando pelo padre repetidas vezes, não obtendo resposta alguma. À fim de aguardar por sua chegada, caminho até os degraus que precedem as relíquias de trás do pedestal e ajoelho-me lá, pondo-me a orar silenciosamente diante dela.

Em meio as suas preces, Emmerich pôde sentir um toque sutil e familiar em seu ombro. O velho padre aproximou-se  na rapidez que a idade o permitia, até que finalmente viu o jovem ao realizar suas orações.

Suas mãos enrugadas pousaram nos ombros firmes do rapaz, servindo assim como um sólido apoio para que o idoso pudesse também ajoelhar-se e acompanhar Emmerich. Caso ele o mesmo o observasse, entretanto, perceberia que não estava orando.

Padre Franklin já tinha uma idade bastante avançada e sua saúde havia se comprometido a alguns anos. Era visível que seu estado vinha piorando recentemente, e bastou o tempo que Emmerich passou distante para que quase não reconhecesse o velho.

Ao enfim encerrar minhas orações, suspirei profundamente e ali permaneci, ajoelhado, olhando de canto para o velho padre que, ao modo como me tocara, pude identificar como sendo o amigo pelo qual aguardava.

Notei sua aparência excessivamente abatida, e em meu peito o coração tamborilou aceleradamente. Novamente eu suspirei, e desta vez olhei-o fixamente por algum tempo. Teria ele desenvolvido alguma doença em resposta à sua idade avançada? Há quanto tempo ele já estava daquela forma? 

Além dos Milagres... O fato é que eu ainda era um médico, e poderia auxiliá-lo conforme me fosse possível.

— A vida nunca se torna mais fácil, não é? — Questionei-o, saudosamente.

- Ora, filho. Se ela fosse fácil haveria algo de errado. - Divagou o velho enquanto ajeitava-se sobre sua túnica, afim de ficar de frente para o jovem. - Não foi fácil para Cristo sofrer por nós na cruz. Devemos sofrer aqui para obter Sua graça futuramente.

Não importava para o padre quantas vezes ele pregava a palavra de Deus para Emmerich, ele sempre parecia contente e empenhado ao fazê-lo. Era como se aquele ainda fosse o pequeno garoto que ele auxiliou em outros dias. Como se fosse a primeira vez que o vira.

- O que o traz de volta? Achei que tivesse esquecido do velho padre ranzinza que implicava com sua falta de boas maneiras!

Fui apenas capaz de sorrir ao presenciá-lo, após tanto tempo, pregando a mim a palavra de Deus como se eu não fosse nada além de um mero infante.

— De fato, meu velho companheiro. — Assenti positivamente com a cabeça enquanto levantava-me do chão, tornando-me para o velho enquanto esbofetava os joelhos à fim de livrar-lhes de possível sujeira acumulada durante o tempo em que permaneci ajoelhado. 

— O que me traz de volta é... — Titubeei por um momento, enquanto refletia acerca das palavras que utilizaria para explicar-lhe sobre minha empreitada na Guerra. — ... A necessidade de visitá-lo, e, se possível, e até mesmo auxiliá-lo...  — Novamente hesitei. "Enquanto eu estiver por aqui, eu pretendia dizer. Mas agora vejo que seus dias finais também se aproximam...", eu pensei. — pois noto que talvez esta seja minha última chance, Padre. — Concluí. Pausei momentaneamente, melancolicamente suspirando de olhos cerrados, voltando a fitá-lo seguidamente.

A íris já um tanto esbranquiçada dos olhos do padre brilhou enquanto ele observava o crescido Emmerich. O rapaz sempre fora um orgulho para o velho, e pelo jeito havia se tornado um bom homem. Apesar da idade, entretanto, padre Franklin nunca perderia seu dom de ler as pessoas.

- Não se preocupe comigo, filho. Deus irá me levar quando Ele decidir que é a hora. - Pregou enquanto se esforçava para levantar e enfim ficar de frente para Emmerich. Uma vez fitando-o, teve que erguer um pouco sua cabeça para conversar com o mais alto. - E nós dois sabemos que este não é o motivo de sua visita. Não havia como prever o estado da minha saúde.

Acenei positivamente a cabeça, com um triste e sútil sorriso em meu rosto.
— Está cheio de razão, como sempre. — Disse, ligeiramente pesaroso.

 Levei uma de minhas mãos à testa, jogando as madeixas que caíam sobre ela para trás, seguidamente, direcionando minha visão ao vitral superior à nossa frente. 

— Eu vim aqui para lhe dizer, Padre... — Hesitei por um momento, refletindo sobre as incontáveis coisas que poderia lhe explicar ali. Que a Santa Igreja não mais atendia à vontade de Deus, ou/e que por eles eu fora incapacitado. Mas aquilo não realmente importava mais, pois em minha missão, o passado não possuiria impacto algum: eu era, naquele momento, maior do que tudo de ruim que passei.

— ... Que fui retirado de minha condenação e acalentado por Deus uma vez mais, e que envolvo-me, agora, numa empreitada da qual eu talvez não retorne — suspirei profundamente — Pelo menos, não o mesmo. Não da mesma forma. — Voltei a fitá-lo — É como... uma despedida, mas que acredito que deva ser abençoada. E vim até aqui para esse fim. — Concluí.

Ao contrário das expectativas, a resposta do padre foi um tranquilo e ligeiro riso que ecoou pela pequena igreja, tão familiar para ambos ali presentes. Despreocupado, ele apenas aproximou-se do jovem e esticou um pouco a mão para pousá-la sobre seu ombro.

- Deus tem planos para você, rapaz. Eu sempre senti isso. - Afirma padre Franklin, como sempre guiado pela sua fé. - Se você ouviu o Seu chamado, eu posso lhe garantir que é para algo abençoado, e que uma vez mais você aprenderá muito. 

O velho afastou-se de Emmerich e caminhou vagarosamente pelos pisos de madeira gasta, indo em direção a um pequeno pedestal de pedra localizado ao centro do altar aonde ele tantas vezes pregara. Por mais que não viesse espalhando tanto a palavra de Deus nos últimos tempos devido a perda da popularidade de sua igreja, o padre sempre parecia profundamente feliz ao folhear, com seus dedos enrugados e trêmulos, aquelas páginas da velha bíblia que sempre esteve lá.

- "Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna." João, capítulo três, versículo dezesseis. - Pregou, sorrindo como uma criança que contemplava seu brinquedo favorito. - Deus estará com você, independente da tarefa para a qual foi chamado. Se estiver fazendo a vontade Dele e tendo fé em Sua palavra, tudo correrá bem. Apenas lembre-se do que é importante e terá toda a benção que puder ter.

— Confio profundamente em tuas palavras, Padre. — Disse, fitando-o nos olhos. Seguidamente, aproximei-me dele, projetando o tórax um pouco à frente e abrindo os braços à fim de envolvê-lo num abraço. — Espero honrar o chamado d'Ele.

O padre carinhosamente retribuiu o abraço de Emmerich, tratando de afastar-se momentos depois para esticar seu braço e alcançar com o indicador trêmulo a testa do mais jovem, logo depois desenhando lá uma imaginária cruz.

- E eu confio em você para tal. Vá, filho, e cumpra seu dever. Prometa-me que voltará e eu prometo-lhe que estarei aqui. - Disse o velho, que tentava intensamente acreditar que podia cumprir tal promessa.

— Confio profundamente em tuas palavras, Padre. — Disse, fitando-o nos olhos. Seguidamente, aproximei-me dele, projetando o tórax um pouco à frente e abrindo os braços à fim de envolvê-lo num abraço. — Espero honrar o chamado d'Ele, e, acima de tudo, conseguir paz comigo mesmo. — Encerrei.